quinta-feira, maio 18, 2006

Quanto custa a cultura em Portugal?

Texto - Miguel Linhares

Se olharmos bem para o mapa-mundo, até nem somos dos países mais pobres culturalmente e intelectualmente. Comparado com os países de terceiro mundo, somos um país muito culto e educado, comparado com os países desenvolvidos – e europeus essencialmente – já deixamos algo a desejar. A nossa história é vasta, o nosso povo apesar de abusivo em relação aos demais que ia encontrando nas terras descobertas, sempre foi um povo inteligente, culto, dado á aventura, descoberta, investigação…nada faria prever que Portugal se tornasse no que hoje invariavelmente é! Um país de pessoas incultas e analfabetas funcionais. Apesar de não ser geral, este mal assume dimensões gigantescas, tendo em conta que o país terá pouco mais de 10 milhões de habitantes. Pelas contas da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), Portugal apresenta 48% de analfabetos funcionais. Só para se ter uma ideia, os Estados Unidos apresentam um valor a rondar os 21%, a Alemanha 14% e, pasme-se, a Suécia 7%!
Apesar da taxa de analfabetismo absoluto ser já muito reduzida no nosso país, apesar das pessoas serem relativamente escolarizadas, saberem ler, escrever e realizarem cálculos aritméticos básicos, não conseguem compreender a palavra – e muito menos o seu valor etimológico –, lêem mas não entendem o significado da maior parte das coisas, dos conceitos e termos fundamentais. Tudo o que lêem é-lhes familiar, por estar escrito na língua portuguesa, mas não absorvem os conteúdos. E este é um dos maiores males, a nível cultural, na nossa sociedade actual e um dos factores mais importantes para o insucesso escolar a longo prazo. Não obstante de realmente termos evoluído muito desde a revolução dos cravos, começa a ser vergonhoso a falta de cultura e educação dos jovens portugueses. Digo jovens, porque os mais velhos não podem ser culpabilizados por sistemas de ensino decrépitos e desajustados, nos quais foram inseridos – ou não, estudar não era uma prioridade, mas sim trabalhar – nem pela educação que lhes foi incutida em casa e pela sociedade. Como disse uma vez um cantador popular terceirense, se não me falha a memória, o João Ângelo, “…tive como lápis o alvião e como papel a terra…”.
Um povo avalia-se pela sua capacidade intelectual e cultural e será isso que o define no mundo e o poderá distinguir dos demais. Portugal, nos últimos anos, tem provado ser um país de contrastes e de muitas incompreensíveis regressões, obtendo valores recorde em quase tudo o que é indesejável para uma nação. A iliteracia também lá está. E o que é o mais engraçado nisto tudo? É que o português não se preocupa com isso e não sente vergonha. O português é facilmente influenciado por todo o lixo que se lhe ponha à frente: reality shows, ok; jornais e revistas sensacionalistas e/ou cor-de-rosa, ok; jornais desportivos como a única leitura diária, OK; telenovelas cheias de enredos e sem “sumo”, ok; música de “plástico” e com muitos”coraçõezinhos”, ok; talões de desconto do hiper, ok; “xuning”, OK; paródia, ok… Apoiar campanhas politicas, sem fazer a mais pálida ideia do manifesto eleitoral do candidato e votar nele porque é o mais bonito ou o mais conhecido, OK! E assim se faz um país. Tudo isto tem sentido, a par do ordenado ao fim do mês, para a maioria da baixa/média classe portuguesa, o que corresponde a muito mais de metade da nossa população. É nesta entropia que vivemos. Escusado será dizer a este povo para não seguir as modas, mas para descobrir as suas emoções, para se cultivar, escrever, ler, investigar, compreender, descobrir, renegar o atrofio intelectual.
E para ajudar esta luta inglória, foi aprovado um projecto de lei do Governo da Republica, sob o qual o Estado deixará de subsidiar o transporte aéreo dos livros e revistas para os Açores, estando fora deste opróbrio os jornais diários, semanários generalistas, revistas informativas e manuais escolares. Tudo o resto deixará de ser subsidiado e consequentemente irá custar ainda mais ao leitor Insular. Cai deste modo por terra a introdução de regime de equiparação de preços levado a cabo pelo ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, há poucos anos, e que veio fazer com que jornais, revistas e livros custassem o mesmo na região, que no continente, para não falar do facto que deste modo os produtos também chegavam em tempo – mais ou menos – útil à nossa região, o que agora vai novamente deixar de acontecer. Portugal no seu melhor!
E enquanto revistas como esta não tiverem em capa o Cristiano Ronaldo, ou a Catarina Furtado – semi-nua se possível – continuarão a fazer parte de um universo desconhecido e folheadas pelos muito poucos que não se importam que o conteúdo tenha muitas letras e poucas fotografias...

in revista "Art&Manhas" do segundo trimestre de 2006

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